Pequenas Epifanias

Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível que lhe deres: Trouxeste a chave? Carlos Drummond de Andrade

Feliz!!!



Dois ou três almoços, uns silêncios.
Fragmentos disso que chamamos de “minha vida”.

Caio Fernando Abreu

Há alguns dias, Deus — ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus —, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro.
Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer — eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal — não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de “minha vida”. Outros fragmentos, daquela “outra vida”. De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos.
Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas.
Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração. Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector “Tentação” na cabeça estonteada de encanto: “Mas ambos estavam comprometidos. Ele, com sua natureza aprisionada. Ela, com sua infância impossível”. Cito de memória, não sei se correto. Fala no encontro de uma menina ruiva, sentada num degrau às três da tarde, com um cão basset também ruivo, que passa acorrentado. Ele pára. Os dois se olham. Cintilam, prometidos. A dona o puxa. Ele se vai. E nada acontece.
De mais a mais, eu não queria. Seria preciso forjar climas, insinuar convites, servir vinhos, acender velas, fazer caras. Para talvez ouvir não. A não ser que soprasse tanto vento que velejasse por si. Não velejou. Além disso, sem perceber, eu estava dentro da aprendizagem solitária do não-pedir. Só compreendi dias depois, quando um amigo me falou — descuidado, também — em pequenas epifanias. Miudinhas, quase pífias revelações de Deus feito jóias encravadas no dia-a-dia.
Era isso – aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria.
Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome.

(Publicado no jornal “O Estado de S. Paulo”, 22/04/1986)

Que coisas são essas que me dizes sem dizer, escondidas atrás do que realmente quer dizer?
Tenho me confundido na tentativa de te decifrar, todos os dias. Mas confuso, perdido, sozinho, minha única certeza é que de cada vez aumenta ainda mais minha necessidade de ti. Torna-se desesperada, urgente. Eu já não sei o que faço. Não sinto nenhuma alegria além de ti.
Como pude cair assim nesse fundo poço? Quando foi que me desequilibrei? Não quero me afogar: Quero beber tua água. Não te negues, minha sede é clara.
( Extraído do livro Caio Fernando Abreu-  Caio 3D, O Essencial da Década de 1980, p.186)

De volta ao mundo blogueiro!

Durante a infância e parte da adolescência, a timidez exacerbada atrapalhava a minha comunicação. Não conseguia falar sobre mim para os outros (puro eufemismo, na realidade eu não falava sobre nada...rsrsrs)! Como escape, virei refém dos diários, da psicóloga e, um pouco mais tarde, dos blogs.  Mas assim como rasgava meus diários frequentemente, crio e excluo blogs como quem troca de roupas...
Não tenho mais problemas em conversar, ao contrário, por vezes falo muito mais do que devia. Talvez esse seja o motivo de ter abandonado o antigo blog,  falo tanto sobre as coisas que acontecem comigo que não faz mais sentido escrever...
No entanto, não é isso que sinto agora. Uma ansiedade estranha tomou conta de mim, já é madrugada, não consigo dormir, nem tenho coragem de ligar para alguém e desfiar o meu rosário de preocupações em relação ao resultado de vestibular que sairá em algumas horas. A solução foi criar este blog para me distrair  e tentar aliviar a tensão, não sei até quando ele irá durar, mas prometo estar presente na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza(?) e na pobreza até que a morte (dele, eu espero) nos separe...

Pequenas Epifanias

Um brinde àqueles que me fazem esquecer o mundo real!
Um brinde às palavras alheias que compõem as minhas epifanias!

"No meu demente exercício para pisar no real, finjo que não fantasio. E fantasio, fantasio".
Caio Fernando Abreu

"As palavras nos permitiram elevar-nos acima dos animais; mas é também pelas palavras que não raro descemos ao nível de seres demoníacos."
Aldous Huxley

Aline Kelly

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Uma dúvida. Uma contradição. Verdades ditas sem pensar. Um sorriso constante. Um gênio terrível. Inquieta. Preguiçosa, Imprevisível. Menina. Mulher. Tímida. Serelepe. Uma diva de Havaianas. Uma santa de mini-saia.Uma louca algumas vezes. Livros. Poemas. Música.Filmes. Amigos. Viagens. Noites em claro.Transparente.Doce. Ácida...Bipolar?!!

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